Assim como as cirurgias cardíacas, as obras rodoviárias variam amplamente em termos de complexidade e impacto. Em ambos os casos, há uma gama de intervenções possíveis, que vão desde procedimentos simples até operações de grande porte. Procedimentos que, na maioria dos casos, devem ser realizados conjuntamente, de forma a evitar colapsos.
Nesse contexto, a escolha correta das intervenções para solucionar o problema assume um papel central. De nada adianta indicar exercícios físicos para um paciente que já precisa de um transplante. De maneira semelhante, no contexto das obras rodoviárias, é essencial que as intervenções sejam planejadas e executadas com base em uma análise dos problemas reais e das necessidades específicas.
Quando se trata das obras rodoviárias em Santos, a falta de foco e planejamento tem sido um problema constante. Durante o 2º Encontro Porto e Mar, realizado em Brasília pelo Grupo Tribuna em setembro de 2023, os gargalos de acessos aos terminais foram citados pela maioria dos dez debatedores que compunham o painel sobre o Novo PAC como o principal problema relacionado a infraestrutura.
Um exemplo claro da deficiência no elencar das prioridades ocorreu em 2002, quando foi inaugurada a pista descendente da Imigrantes. Construída dentro de uma visão sustentável e moderna, o projeto da rodovia esqueceu de avaliar a adequação ao principal objetivo da rodovia na região: o transporte de carga. Dessa forma, a obra veio com a limitação para tráfego de veículos pesados, não resolvendo o problema do acesso das 60 milhões de toneladas que precisavam chegar aos terminais na época.
Vinte e um anos depois, com 80 milhões de toneladas adicionadas à movimentação de carga, o problema da falta de foco permanece. Neste interim, foram construídas as perimetrais e o rodoanel, ainda inacabados, que são obras de grande porte, além de duas alças ligando Anchieta à Zona Noroeste. Os procedimentos essenciais são, de fato, a 3ª pista agora contemplando caminhões e o Túnel Santos-Guarujá.
No entanto, mais obras desse porte não funcionarão em plenitude caso o acesso ao porto e retroporto na margem direita continue ocorrendo unicamente através do viaduto do Alemoa, que absorve hoje 60% do volume de todo o Porto de Santos na margem direita. Com os outros 40% concentrados na rodovia Conego Domenico Rangoni e na Rua do Adubo, ambas também saturadas.
É fundamental a priorização da construção de dois viadutos: o de acesso da Anchieta ao Saboó e outro interligando o Distrito Industrial e Portuário da Alemoa à Rodovia Anchieta. Ambos com projetos já desenvolvidos, com orçamento estimado em R$ 350 milhões, além da troca do piso de asfalto por concreto no entorno do atual viaduto do Alemoa e o novo projeto semafórico, com valores recentemente aportados pelo Governo do Estado de SP na ordem de R$ 13,5 milhões.
As obras de acessos às margens direita e esquerda, já contempladas no PDZ de Santos, são vitais para o desenvolvimento dos terminais e para a redução dos gargalos do município. São os stents que devem ser colocados para evitar que o coração, com suas artérias entupidas, enfarte antes do tempo. Nos dias de hoje, também chamam de acupuntura urbana mas, de fato, de nada adiantam obras magnânimas ou operações tapa-buracos se o foco em acessos nas cidades de Santos e Guarujá não for imediatamente solucionado.
Murillo Barbosa - Diretor Presidente da ATP – Associação de Terminais Portuários Privados, Bárbara Rosa - Coordenadora de Estudos e Pesquisas da ATP e João Menano, da Alemoa.
Artigo publicado dia 25/05/24 no jornal A Tribuna.